quarta-feira, 23 de abril de 2008

A comoção fabricada


Recebi está matéria por e-mail e achei muito interessante coloca-la aqui no blog:

Nada mais tradutor da comoção de plástico vivida pelos consumidores eletrônicos de informação do que a vertigem de reações o comportamento tosco da imprensa e da mídia brasileira como um todo diante de mais uma notícia arrasa-quarteirão.
A morte da menina Isabella Nardoni, há duas semanas, continua a ser revivida ininterruptamente em todos os canais de televisão. Há repórteres ao vivo nos quatro cantos do caso em São Paulo: portas de delegacia, IML, edifício onde a menina morreu, casa da mãe, missa, igreja, etc., etc.
O caso transformou-se em um reality show ao vivo, em tempo real, onde o prêmio vai para o telespectador sedento de sangue e de punição precoce e a qualquer custo do primeiro suspeito.
São donas de casa de cabelos desalinhados e filhos protegidos com gorro sob o frio paulistano que se prostram diante da delegacia para gritar por justiça e gritar 'assassinos' diante da chegada ou saída do pai da menina e da madrasta. E principalmente diante das câmeras, claro.
MARIPOSAS - Tão verdadeiras quanto as intenções comovidas desses urbanóides que saem de casa no frio em dias úteis para ir linchar suspeitos em portas de delegacias são as cédulas de R$ 15, como se diz no popular.
O que move esses manifestantes eletrônicos não é outra coisa senão um pendor insano pela luz das câmeras de TV e pelo circo midiático. Comportam-se como mariposas diante de lâmpadas.
A missa de sétimo dia realizada na Igreja de Nossa Sra. da Candelária parecia ser, para muitos que estavam lá, o mesmo que são essas festas de celebridades onde o elenco que faz ponta em Malhação acorre desesperado em busca de um flash.
Quando se sabe que toda a mídia nacional, incluindo o Jornal Nacional, o Fantástico, o Domingo Espetacular e os canais de jornalismo a cabo estão todos lá e juntos, então a coisa se torna incontrolável.
Como o povo comum pode perder esse palco? E o resultado, construído pelas redes de TV, é tão grotesco que provoca enjôos em quem olha para a tragédia que se abateu sobre a família Nardoni a ainda consegue ter algum filtro de bom senso diante da sedução eletrônica das imagens.
Estas convidam todos a compartilhar de um misto de curiosidade popular mórbida com um julgamento e uma condenação moral coletiva transmitidos ao vivo para 180 milhões de brasileiros. E tratando-se de uma menina branca, classe média, urbana e bela, a receita do showrnalismo está completa.
CIRCO - Na missa, via-se, pela TV, crianças correndo, gente olhando para a câmara sem enxergar padre, missa ou altar e a mãe da menina engolida por todo esse furdunço que a envolve cada dia mais. Ela dava beijinhos a estranhos e recebia dos mesmos mais beijinhos e abraços.
Abraçava crianças que ela nunca vira, mas cujas mães as empurravam igreja adentro com rosas na mão e fardadas como numa seita de fanáticos. Solidariedade agora exige camiseta com foto e olhar de esguio de quem a usa para câmeras de TV.
As coisas mudam tanto em tempos de saturação de informação e exploração de um episódio de violência em grau máximo que a própria mãe da menina alimenta o circo: consegue ter forças, sangue frio, equilíbrio ou ficha-não-caída o suficiente para sentar diante de um computador e abastecer à vontade, com fotos, mensagens e que tais um outro circuito mais restrito, o do Orkut. As redes de TV se deleitam diante das mensagens comovidas deixadas no pro file de Ana Carolina, a um. Sim, pois nessa história até os nomes estão saturados, já que a madrasta também se chama Ana Carolina, a 2.
CUECAS - É assombroso um mundo onde se perde uma filha em circunstância tão trágica e ainda assim o Orkut é um outdoor usado pela família para inflacionar e prolongar o funeral.
A coisa vai ganhando uma dimensão tão fantasmagórica que sites de informação anunciam que a família materna da menina, mãe incluída, pensa em dar uma festa(?) para comemorar o aniversário de Isabella agora em abril, pois a menina não iria gostar de ver ninguém triste.
A tal felicidade artificial é um fenômeno tão avassalador que as famílias já têm na ponta da língua argumentos belíssimos para não viver o luto convencional, que exige algum silêncio, alguma reclusão e, sim, alguma dose desse defeito que a vida contemporânea parece ver como um mal contagioso a ser extirpado, a tristeza. Algo, diga-se de passagem, essencial à natureza humana.
Infelizmente, há menos diferença do que se imagina entre a turba que faz fila para comprar cuecas usadas mas Calvin Klein ofertadas no bazar do megratraficante Juan Carlos Abadia montado pela Polícia Federal com os objetos pessoais do tal, aquelas mulheres ensandecidas que batem no carro da Polícia com a bolsa (carregando os filhos no colo) e as dóceis senhorinhas que levam rosas brancas, vestem camisetas de torcida organizada e vão à Igreja da Candelária sob o pretexto de prestar solidariedade à mãe de Isabella.
São todos os mesmos loucos por um holofote e uma câmera de TV. Sua comoção não convence ninguém, apenas confirma a tese de que a vida, quando engolida pela TV, vira circo.

* Malu Fontes é jornalista e professora da Faculdade de Comunicação da UFBA
14/04/2008

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